“Ver futebol”; “ouvir futebol”

Fui criado a ouvir relatos de futebol na rádio e ainda hoje recordo alguns exemplos que me ajudaram a “ver” futebol, pulverizando distâncias e construindo emoções que os adeptos partilhavam com vitórias e não só.

Não vou falar desse “ouvir futebol”. Vou antes abordar o vocabulário de alguns comentadores televisivos.

No futebol, ao vivo ou na televisão, assistimos a movimentações dos jogadores, dribles, dobras e coberturas, pressão e desmarcação, lateralização e profundidade, princípios e fases do jogo, permutas e marcações, situações de finalização e inferioridade numérica, equilíbrio e mobilidade, concretização em campo de um modelo de jogo com as suas especificidades…

Há equipas que após as transições defensivas e ofensivas (momentos de perda ou de recuperação da posse da bola) se organizam (defensiva e ofensivamente) melhor do que outras – na ocupação dos espaços pelos jogadores, na capacidade de cooperação, na coerência da movimentação coletiva, na velocidade e eficácia… há outras equipas que praticam a inspiração de momento, a improvisação, a resposta individual, a ausência de uma ideia concreta de jogo.

Ao “ver futebol” podemos reparar que:

– umas equipas fazem uma circulação de bola segura, que há sempre jogadores a criarem novas linhas de passe revelando intenção de receber a bola sem se “esconderem”, que quem passa também se movimenta para dar apoio ao colega, nunca esquecendo o essencial – procurar marcar golo;

– outras equipas mantém muitos jogadores juntos no espaço onde se encontra a bola, alguns dos quais revelam intenção de “querer a bola só para eles”, esquecendo-se de defender quando necessário, não se integrando nas manobras coletivas, manifestando discordância com as decisões do árbitro e até dos colegas.

Umas equipas revelam um nível de jogo muito mais desenvolvido do que outras, por isso vencem mais vezes.

Os nossos olhos veem e a nossa perceção é clara, ou seja, ficamos esclarecidos.

Ao “ouvir futebol” podemos reparar:

– na utilização de um vocabulário algo estranho à “simplicidade” do futebol, que importa palavras e conceitos de outras modalidades e de outros universos (do político ao económico, do tecnológico ao artístico) para esclarecer movimentos e jogadas que vimos de outra forma.

Muitas vezes “vemos um jogo” e “ouvimos outro jogo”, ficando com a impressão de nada terem em comum.

No futebol, os artistas principais são os jogadores (sem esquecer a estrutura coletiva) que, com os pés, a cabeça e a bola, fazem acontecer magia… por vezes também os “desastres”.

A alguns comentadores faltará alguma humildade, não se tentarem apropriar do jogo nem praticarem protagonismo exagerado, para conseguirem estar à altura da “complexa simplicidade” do jogo e do património imaterial do futebol (o seu ADN).

Já nem falamos das inúmeras repetições de alguns lances para criticar severamente falhas dos árbitros, que só recorrendo a meios tecnológicos se conseguem detetar.

Convém não esquecer que os jogadores de uma equipa não estão sozinhos em campo: há adversários que se movimentam para dificultar ao máximo e há uma bola que ainda “atrapalha” mais… só quem desconhece isso, pode achar que tudo é fácil, esquemático e de acordo com a sua vontade.

A liberdade está ao alcance das opções dos comandos televisivos.

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Informação sobre o Autor

Aníbal Styliano

Treinador de Futebol

• Professor, licenciado em História • Treinador de futebol nível IV UEFA PRO LICENCE • Ex-jogador profissional, treinador, selecionador • Diretor Pegadógico da AFP • Conselho Consultivo da ANTF • Comissão de Formação da FPF

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