O atleta de elite é um caso de sorte ou de investimento?
Talvez um pouco de ambos, mas sorte é um misto do acaso com a atitude e por vezes espicaçar a sorte, pode ser um trabalho colossal.
Não existe uma grande diferença entre a maioria dos desportos e o ciclismo no que diz respeito à formação de jovens atletas. O processo quer-se o mesmo! O ideal é que haja uma detecção precoce do talento, para que este possa ser potenciado com formação específica e atempada.
Querendo isto dizer que o atleta deve ser treinado desde tenra idade, onde através de alguns processos simples é possível ao treinador começar a identificar os que poderão vir a ser verdadeiros talentos da especialidade e os que se ficarão apenas por bons praticantes, ou nem por isso. Há processos de formação que obtém melhores resultados se forem treinados em determinada idade, depois desta janela de oportunidade passar, poderão ser treinados à mesma, mas com toda a certeza sem o mesmo resultado.
Mas a formação de um atleta, é algo moroso e proporcionalmente dispendioso à qualidade que queremos que ele tenha, talvez os portugueses sejam os reis do desenrasque, nesse aspeto, mas já explicarei porquê.
A formação de um atleta demora cerca de uma década, ou até mais, isto para atingir o teórico máximo de potencial genético, que em teoria é o expoente máximo que as capacidades físicas podem ser elevadas.
Mas dez anos de trabalho metódico é um investimento considerável de tempo e dinheiro, o que levanta outros detalhes, onde eu quero chegar.
Quando falamos no tempo investido por um atleta, falo sobretudo do tempo investido no atleta.
O treino e formação de um atleta é, ou deveria ser, um trabalho multidisciplinar, coisa que em Portugal acredito que só o futebol tenha acesso, isto por uma razão muito simples, dinheiro.
Formar um atleta custa muito dinheiro.
Para que um país mantenha um nível elevado num determinado desporto, há que investir nas bases, que é como quem diz, na captação e formação de jovens. O desporto de elite deve ser visto como um esquema em pirâmide, onde obviamente o topo da mesma é ocupado pelos atletas de alta competição, mas para lá chegarem, não saltaram milagrosamente da base para o topo, da noite para o dia. Foi um longo caminho e certamente penoso, com mais frustrações que glórias, com mais derrotas que vitórias e com mais sacrifícios do que prazeres.
Quanto mais larga a base, mais sólida é a pirâmide e maior a probabilidade de ter um largo e opulente topo recheado de grandes atletas.
A pirâmide é um esquema de hierarquia social que alimenta o desporto de elite. Vai desde a base que representa a formação, até ao topo que é o atleta de elite. Mas a pirâmides tem de ser alimentadas e se o investimento for exclusivo no topo, a base acaba por definhar, torna-se estreita, instável e não tarda acaba por ser apenas um pilarete, uma coluna igual da base ao topo.
A formação é um sorvedouro de dinheiro, sem apresentar resultados imediatos, mas se o trabalho for bem feito, os resultados aparecem.
Para os clubes que trabalham na formação de jovens, faz-se muitas vezes o chamado trabalho “pro-bono”, sem qualquer retorno financeiro, na maioria das vezes acabamos nós técnicos por pagar para que os filhos dos outros pratiquem desporto, para que quiçá possam vir a ser atletas.
Somos treinadores, massagistas, psicólogos, directores financeiros, relações publicas, angariadores de patrocínios e tudo, para que os miúdos possam praticar uma modalidade que para nós, é mais que uma modalidade, é “A” Modalidade pela qual damos sangue, suor e lágrimas.
Há uns anos atrás tive o privilégio de assistir a uma palestra de um reputado treinador e fisiologista basco, que falava no treino de guerrilha. Quando os recursos são escassos, em vez de sonhar em grande, há que valorizar e potenciar os recursos existentes.
Temos mostrado que quando investimos conseguimos, para um país sem um plano, sem uma política orientada para o desporto, estamos muito acima do que deveríamos, diria que somos guerrilheiros natos.
Tudo que descrevi até ao momento, levanta questões de ordem económica e social mais complexas ainda. O desporto desenvolve retorno comercial na sociedade, podendo este ter um impacto positivo, ou mesmo negativo.
Pense, por exemplo, quantas pessoas por esse mundo fora ficaram a conhecer Portugal por causa do sucesso de Cristiano Ronaldo? Sim, este é o expoente máximo do sucesso de comunicação de uma marca. Quantas pessoas não viajaram para cá, ou passaram a valorizar a “etiqueta” “made in Portugal” por relacionar qualidade de produto com qualidade do atleta?
O investimento no desporto deveria ser visto da mesma forma e importância que o valoroso investimento na educação, na cultura ou mesmo da saúde. O desporto deveria ter já hoje no ensino, o mesmo valor que disciplinas como português, ou matemática.
Só no ciclismo, não me canso de dizer que à custa das guerrilhas já tivemos três campeões do mundo.
Agora imagine, se conseguíssemos construir um exercito.