Ganhar e ensinar, são coisas absolutamente distintas. Se a segunda poderá levar à primeira, já o oposto dificilmente, ou só por bafejo da sorte, ocorrerá.
Competir é uma excelente forma de pedagogia, a melhor se querem que vos seja sincero.
Mas ganhar não significa de todo ser competitivo, ou que tenha havido competição sequer. Lá porque na foto aparecem muitas crianças na grelha de partida, isso não significa que haja uma justiça desportiva lá no meio, isto porque há alturas, em que para estar à frente não é preciso ser-se bom, basta ir à boleia do crescimento natural e de repente, os tolos ficam fascinados com o brilho, mas como nem tudo que reluz é ouro, não basta ganhar muitas corridas para se ser um campeão.
Por mais que leia, continuo a procurar responder à dúvida: “Gostar de ganhar é um traço da personalidade nata ou inata? Neste aspecto, seremos uma tela em branco quando nascemos, ou já está no código genético a competitividade?”
Este tema por si só, dava um excelente artigo, uma vez que é a competitividade que nos leva ao sucesso e sucesso no mundo animal significa domínio e sobrevivência através da manutenção da própria vida e da continuidade da espécie, sem valores fúteis como dinheiro, ou prestigio que facilmente caracterizam a raça humana e as suas motivações.
Mas se nas espécies animais, a competitividade mais pura é orientada para a sobrevivência, parece que na espécie humana se tem a sobrevivência como garantida e entramos só na era do brilho e do glamour, como se a competitividade se ficasse só pelo desporto.
Na mais razoável das hipóteses, não é a sobrevivência do individuo que estará em causa, mas mesmo não vindo a ser um atleta de elite do ciclismo, podemos criar um cidadão de elite, alguém que se irá esforçar ao máximo por ser o melhor possível no que quer que venha a fazer e desenvolver na sociedade. Performance, palavra, ou conceito muitas vezes associado a tecnologia de ponta, ou ganhos extremos no desporto, não é mais que a procura continua pela excelência e isso podemos fazer em tudo, ao longo da nossa vida e não só no desporto.
Como treinador de camadas jovens, obviamente que estou sempre ciente que posso estar a trabalhar com um futuro atleta de elite, mas antes disso, quero que seja um cidadão de elite, porque o deporto prepara as pessoas para vingarem fora do campo, das pistas, fora dos rankings desportivos.
Mas o excesso de competição é nefasto e hoje, o calendário de um atleta de elite proporcionalmente exigente aos resultados esperados. É consensual que na maioria das vezes, faz-se menos, mas com o dobro da qualidade.
Mas a febre da competição, atingiu as camadas mais novas, aquelas que competem para brincar, começaram a ser tratadas como cães de combate, como galos de luta e a pedagogia e o divertimento ficou para segundo, terceiro plano, ou não foi considerado sequer.
Nos últimos anos a competição tornou-se de tal forma negativa, que a Federação Portuguesa de Ciclismo viu-se na necessidade de redigir os regulamentos que tutelam a escolas de ciclismo, de forma a refrear ânimos de agentes envolvidos naquilo que deveria ser a formação desportiva de jovens.
(Uma escola de ciclismo abrange crianças a partir dos 5 anos de idade e termina no ano em que os jovens ciclistas completam 14 anos. Dos 14 aos 22 são categorias consideradas formação e só a partir dos 23 é que no ciclismo é considerado a excelência da competição.)
Este não é um fenómeno exclusivo do ciclismo. Todas as camadas jovens que já tive oportunidade de avaliar em competição, ou treino, sofrem da mesma espécie de mal. É quase um maltrato sobe o pretexto de “é o melhor para eles”. Acredito nas intenções das pessoas, sobretudo nas dos pais, se bem que são poucos e raros os casos que de facto salvaguardam o superior interesse do filho, não só como atleta, mas principalmente como criança, como futuro cidadão e só no final vem como futuro atleta.
A formação desportiva, tal como a formação académica, obviamente com ligeiras alterações de acordo com cada uma das modalidades, acaba por ser muito semelhante, isto porque uma criança de 8 anos, acaba por ter as mesmas necessidades e carência, independentemente da modalidade e como tal deveria haver uma formação muito homogénea, privilegiar o desenvolvimento físico e cognitivo da criança, onde o desporto entraria como estimulo e não como limitador.
Posso pegar num jovem que sofra de nanismo a jogar basquetebol oito horas por dia, que não fará deste, um jogador de dois metros contratado pela mundialmente famosa NBA. Quando muito fará com que nunca mais queira ver uma bola de basquete à frente dele. Sendo este um caso de exagero, a verdade aplica-se a todos os demais desportos. Porque simplesmente há coisas que por mais que se exija, elas nunca irão aparecer.
Mas os formadores, querendo eu crer que se trata de uma pequena minoria, parece não entender isto.
No caso particular do ciclismo, são já diversas situações em que a acção dos pais vai directamente contra o interesse da formação e até das próprias crianças. Pedais de encaixe em crianças que mal dominam a bicicleta, diâmetros de roda totalmente despropositados e material topo de gama que em nada ajudam na formação. Eu acredito na mais genuína convicção de que estarão a fazer o melhor para os filhos, o problema é que fazem para que os filhos “ganhem”, não para que aprendam e é ai que está o problema. Esta é a fase de aprendizagem, onde é permitido o erro e que não voltará atrás e depois de perdida, não há absolutamente nada a fazer.
Fixe que: uma criança não é um adulto em ponto pequeno, não é um autómato a quem debita ordens, seja o exemplo, um bom exemplo, este é e será sempre a grande forma de educar. A competição e o desporto são uma parte importante da educação e formação de um jovem. Não faça disso um tormento para ele e muito menos algo que o perseguirá de forma negativa para o resto da vida.
Sejam pais, ou treinadores, lembre-se de uma coisa, um bom treinador influenciará mais jovens num só ano, que a maioria das pessoas em toda a sua vida.14