Bicicletas de trabalho

Já dizia o meu avô que Setembro era mês de voltar ao “pica o boi”, que é como quem diz voltar ao trabalho. E o que tem a ver trabalho, bicicletas e boi? Lembra-se do rapaz do talho? Ora nem mais!

O rapaz do talho, era por norma o aprendiz de talhante (hoje dão-lhe o nome de “estagiário”), encarregava-se das tarefas menores, entre carregar baldes de ossos e carcaças, separar as aparas e limpezas, tinha também a tarefa das entregas ao domicílio.

Ao seu dispor para esta última tarefa, o dito estagiário tinha uma fenomenal pasteleira, na maioria das vezes muito maior do que a sua pequena constituição física o que o obrigava a pedalar balançando-se de lado para lado do quadro, quase como se estivesse constantemente a saltar uma vedação que teimava em não sair do meio das pernas.

A encomenda de carne assentava num cesto de vime, mais tarde de plástico, preso por cima da roda traseira imediatamente a seguir ao velho e gasto selim de pele e molas.

A disposição da encomenda na bicicleta, conjugada com o peso da mesma dava uma condução do veículo muito característica, recalcando o estilo balanceado do pedalar, uma vez que a bicicleta ficava inibida de o fazer, sobe o risco do alto centro de gravidade provocado pela posição da encomenda, provocar um desequilíbrio sem possibilidade de salvação e irem os três ao chão, estagiário, bicicleta e encomenda.

Rasgava a bata, danificava a viatura de trabalho e a carne ia parar irremediavelmente ao chão, dando direito a uns bons cascudos do patrão, com total apoio do pai do rapaz por tal falta de zelo.

A bicicleta era um veículo de trabalho, não um brinquedo e era tratado com um desrespeito respeitoso.

As bicicletas de trabalho nunca foram bonitas, não que não se queira, ou que não se tentasse até que o fosse, mas dita a regra do uso, que ou se usa, ou se mantém a estética e a bicicleta é daqueles objectos que a dinâmica da sua utilização dita a que a estética seja sacrificada pela própria natureza do uso.

O rapaz do talho, o carteiro, o leiteiro, o jornaleiro, o merceeiro, o vendedor de gelados, de castanha assada e tantos outros empregos que foram durante muitos anos construídos literalmente em cima de uma bicicleta.

Bicicletas arranhadas, amassadas, de guarda lamas, ou já sem eles, tintas baças e gastas mais ferrugem que tinta, com estalidos, guinchos, telintares, chiares e outros tantos barulhos, afinal a função não se compadece com a perfeição da maquina, tem de ir de “A” a “B” e mais nada!

A bicicleta que escolhemos para nos acompanhar nas deslocações citadinas, acaba por sofrer o mesmo destino, é o karma de uma bicicleta usada na cidade, ostentar as cicatrizes do seu uso. Presas com um seguro e poucos estéticos cadeados, sem olhar bem ao que se prenda, desde que assuma duas condições: ser suficiente estreito para ser abraçado pelo cadeado e bicicleta em simultâneo e oferecer firmeza q.b. contra oportunistas.

As bicicletas de trabalho estão de volta, andam por ai, presas a postes à espera da hora de saída de quem as levou para o trabalho, estafetas, táxis públicos em algumas cidades, debaixo de algumas arcas de gelados, novamente a carregar cartas e até o “estagiário” do talho já foi visto novamente.

Experimente este ano, trocar o seu imaculado bólide, que fica sempre estacionado a quinhentos metros do trabalho, depois de procurar estacionamento durante quinze minutos, por um destes engenhos simples e práticos que ficam mesmo ali à porta, no primeiro poste que aparece.

Bom início de trabalho e boas pedaladas.

Outros Artigos de Opinião

Partilhar Este Artigo

Informação sobre o Autor

Pedro Silva

Treinador Profissional de Ciclismo/BTT

• Treinador profissional de Ciclismo/BTT • Administrador do site “Projetopedal”

Recebe Conteúdos Exclusivos

Subscreve a nossa newsletter e mantém-te informado(a) sobre o desporto no nosso concelho.